REGIÃO
COSTEIRA - AS PRAIAS
A
região costeira está situada na fronteirados dois
maiores ambientes do planeta: continente e oceano. É uma
regiao de numerosas interações biológicas,
químicas, físicas, geológicas e meteorológicas.
Este
ambiente é uma região de mudança, no qual
o mar atua alterando a forma e a configuração do
continente. Algumas vezes ocorrem alterações bastante
rápidas; outras vezes, lentas a ponto de não serem
percebidas por uma pessoa durante toda a sua vida; mas do ponto
de vistado tempo geológico, estas lentas alterações
tornam-se muito expressivas.
Grande
parte das regiões costeiras do mundo possui sua configuraçào
atual devido a processos decorrentes dos fenômenos de separação
do supercontinente Pangéia, há cerca de 225 milhões
de anos. No caso do litoral brasileiro, uma série de eventos
estruturais ocorreu quando da separação do continente
africano e sul-americano há cerca de 150 milhões
anos. No litoral paulista, por exemplo, estes foram responsáveis
pela atividade magnética que gerou maciços vulcânicos
como o de São Sebastião e pelo soerguimendo da Serra
do Mar.
Na
verdade sào vários os fatores que determinam a evolução
de cada uma das regiões litorâneas. Estes fatores
apresentam variaçòes temporáis e espaciais
distintas e vão desde fatores climáticos até
fenômenos tectônicos de escala global.
A
região de interface entre o continente e o oceano pode
ser dividida em costa, praia e costa afora (Fig. 1). A costa é
definida como uma faixa que se estende do limite entre o continente
e o mar indo para o interior continental até as primeiras
mudanças significativas nas feiçòes fisiográficas;
faixa que varia normalmente de poucos a algumas dezenas de quilômetros.
A onda afora é a regiào desde a zona de arrebentação
das ondas até a borda da plataforma cotinental. A região
de praia será definida no próximo item.
Figura
1: Denomição das varias regiões da
zona costeira (Suguio, Dicionário de geologia marinha.
São Paulo, T.A. Queiroz, 1992. 171p.)
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CARACTERÍSTICAS
DAS PRAIAS
Para
a maior parte das pessoas, praia é a região mais
familiar em se tratando do ambiente marinho. Mesmo o visitante
mais ocasional percebe que a região não é
estática ao reparar que as vezes a praia se encontra muito
larga, outras vezes estreita, com uma inclinação
maior que o normal, ou que dunas de areia na região posterior
podem desaparecer. Realmente, assim ela é: um ambiente
muito dinâmico!
As
praias sào formadas por sedimentos inconsolidados, delimitadas
de um lado pela regiào onde a passagem das ondas não
mais movimenta os sedimentos do assoalho marinho, profundidade
esta denominda base da onda (veja Ondas)
e do outro, também onde, de modo geral, não ocorre
movimentaçào de areia, regiào denominada
berma (veja definiçào mais adiante), ou ainda por
alguma feição do relevo como uma falésia,
por exemplo.
Uma
praia pode ainda ser subdividida em três regiões:
face praial, antepraia (também chamada de estirâncio
ou estirão) e pós-praia, de acordo com sua localização
em relação às alturas das marés (Fig.
1).
A
face praial compreende a região que vai do nível
de maré baixa até além da zona de arrebentação,
em geral, até a base da onda.
Antepraia
é a região entremarés, ou seja, entre o nível
da maré baixa e o da maré alta. É, portanto,
a porção da praia que sofre normalmente a ação
das marés e os efeitos do espraiamento e refluxo da água.
A
região pós-praia localiza-se fora do alcance das
ondas e mares normais, e somente é alcançada pela
água quando da ocorrência de marés muito altas
ou tempestades. Nesta região formam-se terraços
denominados bermas (Fig 1 e 2), que apresentam uma seção
transversal triangular, com a superfície de topo horizontal
ou em suave mergulho em direção ao continente e
a superfície frontal com mergulho acentuado em direção
ao mar.
Figura
2: Praia arenosa, mostrando a localização
da berma.
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No
pós-praia pode ainda aparecer uma regiào com maior
inclinação, denominda escarpa praial (Fig. 3), causada
pela ação de ondas normais de maré alta que
cortam a praia, originando essa abrupta mudançaem sua inlcinação.
A berma e a escarpa não se formam na antepraia devido à
continua passagem das ondas, não permitindo assim qualquer
feição permanente.
Figura
3: Praia arenosa, mostrando a localização
da escarpa praial
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A
praia é constituída por 3 elementos: o material,
uma área costeira na qual este material se move e uma fonte
de energia para movimentá-lo.
O
material mais comum formador de uma praia é a areia cujos
grãos geralmente variam de 0.2 a 2 milímetros de
diâmetro (Fig. 4). O mineral predominante é o quartzo
que, além de ser abundante, é dos mais resistentes
a degradação física (abrasão) entre
os minerais comuns. O feldspato, outro mineral comum na crosta
terrestre, pode também ser um constituinte importante na
formação das praias, embora seja de mais fácil
fragmentação e decomposição química.
Figura
4: Areia típica de uma praia do litoral norte de
São Paulo, constituída de diversos tipos de
minerais e sedimentos de origem orgânica, como fragmentos
de conchas e espinhos de ouriços do mar.
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As
areias da praias litorâneas são geralmente originárias
dos rios que erodem os continentes e transportam seus fragmentos
até o litoral, onde o mar encarrega-se de distribuí-los
pela costa. Pode-se também encontrar-se praias formadas
por conchas ou outros materiais, bastando que tenham um tamanho,
densidade e quantidade suficientes para tanto. Em certos casos,
pode ocorrer a deposição de determinados minerais
úteis ao homem, como o caso da concentrações
de monazita em praias dos estados do Espírito Santo e da
Bahia.
Os
materiais que compõem uma praia podem também ser
de várias cores. Nas ilhas do Havaí (EUA), por exemplo,
há praias de areia branca, compostas de esqueletos de corais,
e praias de areias pretas, nas quais o material é derivado
de lava vulcãnica. Pode-se encontar praias de coloração
amarela, verde ou rosa, dependendo do material específico
ou dos tipos de conchas dominantes no material depositado.
A
principal fonte de energia para a movimentação da
areia é proveniente das ondas, que por sua vez se originam
devido à ação de ventos sobre a superfície
do mar (veja Ondas). Quanto mais forte
for o vento, maior a duração e maior a área
na qual ele atua, maiores serão as ondas que chegam à
costa. Quando ocorre um temporal próximo a região
costeira, as ondas serão fortemente escarpadas, podendo
mudar rapidamente a configuração de uma praia.
Há
forte correlação entre a altura média das
ondas, a inclinação da praia e a granulometria (tamanho
do grão do sedimento). Quando as ondas são grandes,
removem os grãos menores deixando somente os maiores e
mais difíceis de carregar. Restando apenas os grãos
maiores, a praia tende tornar-se mais inclinada (Fig. 5), pois
as ondas ao se quebrarem na praia, rapidamente penetram pela areia,
já que aumentam o espaço entre os gràos (espaço
intersticial). Assim, a onda deixa maior quantidade de grãos
de areia do que carrega de volta.
Figura
5: Diâmetro médio dos grãos de areia
em função da inclinação da antepraia.
A unidade da abscissa (inclinação da antepraia)
está em termos de distância vertical em relação
a distância horizontal percorrida (Stowe, Essencials
of Ocean Science. New York, John Wiley & Sons, 1987.
353p.).
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O
mecanismo pelo qual as ondas modificam as praias baseia-se na
ascensão dos grãos de areia pela turbulência
que acompanha a passagem de uma onda, e a queda destes mesmos
grãos sobre o fundo, quando a onda não exerce mais
força ascensional sobre eles. Cada vez que um grão
é erguido do substrato, vai ocupar posição
diferente. Levando-se em conta que incontáveis milhões
de grãos de areia estão sendo continuamente removidos
e recolocados, a praia tem sua configuração alterada.
MOVIMENTAÇÃO
SAZONAL DE AREIA
Grande
parte do movimento de material de uma praia ocorre entre as barras
submarinas, também chamadas de bancos de areia ou cristas,
e a berma. Estas barras são produtos de erosão,
pois a ação violenta das ondas corta a parte anterior
da berma e deposita tal material a certa distância da costa.
As
barras se formam em condições tempestuosas, portanto,
características do perfil de inverno de uma praia (Fig.
6), estação em que as tempestades são mais
comuns tormando as ondas maiores. Quanto menor a inclinação
da praia, maior o número de barras. Não se conhece
exatamente como se formam, mas sabe-se estarem relacionadas com
a altura e o comprimento das ondas que chegam à praia (em
tanques de experimentação formam-se quanto a relação
entre altura e o comprimento da onda é maior que 0,03).
Figura
6: Perfis de verào e inverno de uma praia, mostrando
que no inverno há remoção de areia
da berma que é depositada nas barras e no verão
ocorre a reconstrução da berma (Bascom, 1960.
Scientific American, 203(2):80-94.).
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As
barras submarinas têm profundo efeito nas ondas que chegam
a praia, as ondas maiores se quebram na barra mais extensa, se
refazem na depressão entre esta e a próxima, prosseguindo
até a costa como ondas menores que se rompem nas barras
interiores ou na superfície da praia. Assim, as barras
agem como um filtro de ondas, rompendo e reduzindo as mais altas
e permitindo a passagem das menores. Em praias com pequena inclinação
e com uma série de barras, as ondas rompem-se e se refazem
repetidamente, originando zonas de arrebentação
de até 1,5 quilômetros.
Depois
da estação de tempestades as ondas diminuem, devolvendo
à areia das barras à praia; o material das barras
exteriores preenche as depressões entre elas, emigrando
também para a berma, reconstruindo-a em direção
ao mar. Grandes tempestades ocasionais ou tsunamis (ondas muito
grandes causadas por distúrbios sísmicos - veja
Ondas) podem retirar toda a areia de uma
praia e transportá-la para profundidades tão grandes,
que as ondas normais não podem mais alcançá-la
e tampouco devolvê-la a praia.
CORRENTES
DE DERIVA LITORÂNEA
Os
maiores problemas na manutenção de uma praia não
são produzidos pelo movimento sazonal de areia da berma
para as barras submarinas e vice-versa, mas pelo movimento de
areia paralelo à costa.
As
ondas geralmente se aproximam da orla marinha formando um ângulo,
e tendem a ser refratadas ou dobradas pelos contornos submarinos,
que fazem a linha das ondas tornar-se paralela à linha
da costa (veja Ondas). As ondas, porém,
geralmente não são totalmente refratadas, ocasionando
com isso uma corrente denominada de deriva litorânea, que
surge apenas na região de arrebentação.
Esta
corrente é demasiadamente lenta para transportar os grãos
de areia por si mesma, mas tem tal ação facilitada
pela região de arrebentação das ondas, que
mantém a areia em suspenção. O mecanismo
é simples: na superfície da praia, as partículas
de areia transportadas pela água que chega descrevem um
movimento de zigue-zague na mesma direção da corrente
de deriva litorânea, de tal modo que cada onda as movimenta
em um pequeno trecho ao longo da praia (Fig. 7). Na água,
ocorre a mesma coisa: as ondas podem levantar os grãos
de areia e a corrente de deriva litorânea imprime a estes
grãos um movimento de zigue-zague (Fig. 8). Como consequência,
a areia é movimentada pela ação da corrente.
Figura
7: Superfície de uma praia arenosa mostrando o desenho
dos grãos de areia, movimentados pela corrente de
deriva litorânea.
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Assim
esta corrente de pouca velocidade é capaz de transportar
grandes quantidades de material ao longo da costa, frequentemente
atingindo cifras que superam 1000 metros cúbicos por dia,
valor equivalente a cerca de 100 grandes caminhões carregados
de areia, passando através de um ponto da praia a cada
dia, ou caminhão de areia a cada 15 minutos!
Figura
8: Itineráriodos gràos de areia na superfície
de uma praia e debaixo da água, causadas pela corrente
de deriva litorânea (Bascom, 1960. Scientific American,
203(2):80-94.).
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A
corrente de deriva litorânea pode também voltar-se
em direção ao mar, devido a presença de cânions
submarinos na plataforma e talude continental adjacente. Isso
faz com que a praia possa terminar bruscamente, pois todo o sedimento
que seria transportado por essa corrente ao longo da praia, pode
acabar desviado para esse cânion, onde os sedimentos ficarão
depositados no leito da bacia oceânica a muitas centenas
de metros de profundidade (Fig. 9).
Figura
9: Cânion submarino próximo a uma praia, mostrando
que esta pode se reduzir ou mesmo terminar abruptamente,
devido a perda de sedimentos para este cânion.
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Como
toda a região litorânea é muito dinâmica,
deve-se ter cautela com quaisquer tipos de construções
que bloqueiam a movimentação de areia. Assim, construções
como piers ou molhes devem ser acompanhadas por estudos oceanográficos
que assegurem o não impedimento dos fluxos de água
e areia na região. Muros para bloquear a invasão
de água nas marés altas em edificações
costeiras pode alterar também profundamente a praia na
qual esse muro foi erguido .
A
retirada de areia de uma praia para a construção
civil, pode também causar danos às praias da região.
A construção de barragens hidrelétricas nos
rios contribui para que haja redução do volume de
areia que chega ao mar, podendo acarretar diminuição
ou mesmo desaparecimento de praias em regiões dependentes
dessa areia para a sua conservação.
Ao
longo da costa brasileira não se observa um padrão
definido na movimentação de areia. O sentido da
deriva da corrente litorânea varia de região para
região (Fig. 10). Nas costas do Brasil encontra-se exemplos
catastróficos de construções praianas, que
acabaram por impedir o transporte de sedimentos ao longo da costa
devido à interrupção do fluxo das correntes
de deriva litorânea, como ocorre, por exemplo, no litoral
da região metropolitana de Fortaleza (CE)(1) e próximo
a cidade de Recife (PE)(2).
Figura
10: Transporte de areia ao longo de parte da costa leste
sul-americana. As setas indicam a direção
de transporte da areia; as linhas pequenas em ângulo
reto à costa mostram o ponto inicial do movimento
da areia (Emery & Uchupi, The Geology of Atlantic Ocean.
New Yorrk, Springer-Verlag, 1984. 1050p.).
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CORRENTE DE RETORNO
Outro
tipo de movimentação de água verificado com
frequência em praias é a chamada corrente de retorno
(Fig. 11). Uma das principais causas para a ocorrência desta
é a convergência de duas correntes de deriva litorânea
em um ponto ao longo da praia, que, quando ocorrem, se encontram
e fluem em direção ao mar, na forma de uma corrente
estreita e forte.
Figura
11: Exemplo da corrente retorno.
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Outra
causa para a existência da corrente de retorno ocorre quando
ondas mais altas que a média se rompem em sucessão
rápida e elevam o nível da água dentro de
uma barra submarina; á agua pode voltar tão energéticamente
ao mar que, algumas vezes, rompe a barra em um lugar estreito,
produzindo a corrente em sentido oposto à praia.
A
existência desta corrente pode depender da topologia do
fundo além da altura e período das ondas. Pode ser
perigosa para os banhistas, por fluir, algumas vezes, com velocidade
superior a 4 nós (mais de 7 quilômetros por hora).
O banhista, caso encontre uma corrente deste tipo, não
deve nadar em direção a praia, mas paralelamente
a ela, para então, ao sair da corrente de retorno, nadar
naquela direção.
Bibliografia
citada no texto
(1)Castro,
J.W. de A.; Valentini, E.; Rosman, P.C.C. Estudo diagnóstico
do comportamento atual da linha de costa entre os rios Pacoti
e Tabuba, CE. 37º Congresso Brasileiro de Geologia. São
Paulo, dez. 1992. Boletim de resumos expandidos, v.1. Simpósios,
1992, p. 27.